Topo

Histórico

Categorias

Gisela Rao

Brasileiros vindos da Itália: os novos chineses

Gisela Rao

01/03/2020 04h00

Foto: www.FreePik.com

Cheguei à Itália domingo passado, no dia em que Veneza cancelou o seu tradicional Carnaval em função do coronavírus. As 72 horas que se seguiram foram algumas das mais tensas da minha vida. A história toda começou no aeroporto romano, com os policiais e profissionais de saúde – todos protegidos – medindo a temperatura dos passageiros. Me senti na série "Chernobyl".

Em Roma, alguns turistas estavam de máscara, principalmente os chineses – povo altamente mal visto naquela hora, naquele lugar, coitados. Dava pra sacar nitidamente o sorriso amarelo das vendedoras quando algum oriental entrava na loja, o desconforto das pessoas ao lado deles no trem e, principalmente, os palavrões que os taxistas italianos esbravejavam sobre os chineses quando falávamos do assunto do momento. Nas ruas, independentemente da nacionalidade, as pessoas se olhavam como se estivessem desconfiando umas das outras, do tipo: "Será que ela está infectada"?. Dose…

Mas, por outro lado, muita gente jovem feliz, nem tchuns para a situação, tirando selfie na Fontana di Trevi e nos lugares lindos maravilhosos de Roma.

Veja também

Durante esses três primeiros dias meu estresse foi aumentando: um monte de amigos mandando WhatsApp perguntando como eu estava, as notícias da mídia local falando sobre a progressão dos casos confirmados no Norte, os jornais brasileiros mostrando o número de casos suspeitos chegando da Itália, além de um boato de que o Brasil poderia, em breve, exigir atestado de quarentena dos turistas vindos de países de alto risco. Ou seja: a Itália tinha entrado na lista treta do coronavírus. E eu também!

Decidi voltar antecipadamente com uma dor terrível no peito – não causada pelo vírus, mas porque planejei essa viagem por três anos. Motivos não faltaram:

  • Tenho asma crônica e me deu um tremendo cag$%@ permanecer por lá em um momento de epidemia ligada à doenças respiratórias.
  • Peguei dengue em New Orleans (EUA) – quando fui escrever sobre o primeiro Carnaval pós-Katrina – e garanto que ficar doente fora do seu país é uma experiência lascada.
  • Fiquei com medo do bloqueio aos turista vindos da Itália como está acontecendo, por exemplo, em Israel.

Não aconselho ninguém a entrar em pânico nessas horas, porque é aí que você faz besteira. Não consegui falar com a Alitalia para mudança de data, então comprei um bilhete de volta ao Brasil pela TAP, mas coloquei a data errada – e isso me deu uma baita dor de cabeça e uma multa dos diabos.

No avião, metade dos passageiros estava de máscara, mas, claro – eita! –, tiravam para comer. Minha mochila estava carregadas de álcool gel, desinfetante, própolis e o cara#$@ a quatro. Na fila do passaporte, no aeroporto de São Paulo, mais tensão com a turma que tossia e espirrava.

Entramos aliviados no Uber e o motorista perguntou: "Vocês não vieram da China, não, né? Porque quando vejo passageiro de olho puxado, cancelo na hora". Credo! Mal sabia ele que viemos do terceiro país mais infectado neste momento.

Chegamos em casa e, mesmo sem sintomas, resolvemos fazer quarentena por conta própria, para proteger a sociedade just in case e para evitar problemas de preconceito como o que está sofrendo um amigo brasileiro que visitou Veneza e mora em Paris. Sim, turistas vindo da Itália são os novos chineses!

Reproduzo aqui um pedacinho do relato dele no WhatsApp: "Estou pensando em fazer quarentena também, porque estou cansado da palhaçada desse povo, no trabalho, que fica me olhando com aquela cara de 'o que que essa pessoa está fazendo aqui?' e com raiva de mim como se eu fosse o próprio coronavírus. Mas isso é bom para eu aprender a ter humildade porque eu também atravessei pra outra calçada quando vinha chinês passando". Ai, gente…

Mas, veja, não quero convencer ninguém a desistir de ir à Itália, principalmente os jovens, que tiram tudo de letra. A grande maioria das coisas está funcionando normalmente e o país até dói de tão lindo. E, ah sim, pretendo voltar pra lá este ano.

E pra não dizer que só deu ruim na viagem, curtimos adoidado o dia em que passamos em Napoli. Comemos a verdadeira pizza napolitana, chafurdamos em becos artísticos e em lojas divertidas.

Afinal, o mar não está pra peixe, mas não perdemos o rebolado jamais.

Tamo juntas?

#EnvelhecerSemPhotoshop

#EnvelhecerSemVergonha

#VigilantesDaAutoEstima

Insta: @giselarao – blogdagiselarao@gmail.com

Clique aqui para saber sobre a situação na Itália

Sobre a Autora

Gisela Rao é criadora e criatura de conteúdo, safra 64 – Ano do Dragão. Publicitária e escritora, é “porta-bandeira” dos temas sexo e autoestima, trazendo para a comissão de frente algumas das grandes pedras-no-scarpin femininas. Teve os programetes “Repórter Rao” e “A Monja e Emotiva” (UOL) e foi colaboradora das revistas e jornais: Folha de S.Paulo, Jornal da MTV, Época, Marie Claire, SPFW Journal, Isto É Gente, UMA, VIP, Bons Fluidos, Viagem & Turismo e TOP Destinos. É autora dos livros “Sex Shop”, “Tchau, Nestor” e ‘Não Comi, Não Rezei, mas Me Amei”. Opa! Não desligue ainda, tem mais: foi fundadora do Movimento Vigilantes da AutoEstima e uma das idealizadoras da ONG Estou Refugiado.

Sobre o Blog

A ideia desse blog é trazer um “Ufa!” para os perrengues da “classe” 50+: corpo, preconceitos, paúras, relacionamentos, medo de morrer, sexo... num tom divertido, autobiográfico e gente-como-a-gente. #EnvelhecerSemPhotoshop

Gisela Rao